Prevenir bem para melhor viver

Jorge Humberto Guardado, cardiologista de intervenção, fala sobre a importância de estarmos alerta para os sinais que o organismo nos transmite. Paralelamente, reflete também sobre as mais-valias de que se reveste a Ecocardiografia de Sobrecarga – método de diagnóstico pouco difundido em Portugal.

Dr. Jorge Humberto Guardado Cardiologia
Sempre que falamos em doenças cardiovasculares (DCV), fazemos alusão à principal causa de morte em Portugal, aspeto que se evidencia pela frieza dos dados estatísticos que nos lembram que estas representam um terço da mortalidade, ano após ano. Igualmente chocante é que cerca de 80% da mortalidade prematura pelas DCV poderia ser evitada, fosse outro o comportamento da população. Perante a severidade de tal cenário, nunca serão demasiados os esforços em torno de uma cultura de prevenção, sendo essa mais-valia que Jorge Humberto Guardado, especialista em Cardiologia e diretor clínico da UCARDIO – Unidade Cardiovascular (com sede em Riachos, Torres Novas) tem enfatizado numa conjuntura em que se afigura difícil resistir a uma série de “fatores sociais”, sejam eles o poder que o marketing exerce nos consumos alimentares, seja a facilidade de acesso a “uma série de elementos limitadores da nossa esperança de vida”, de que o tabaco constitui exemplo.

Recordando que “a prevenção das DCV é uma questão de educação para a saúde”, o nosso interlocutor defende que compete a toda a população deter “um conhecimento razoável sobre o nosso corpo e o mecanismo das doenças” a fim de que nos possamos efetivamente salvaguardar. Como tal, e salientando que é sempre a nossa longevidade e qualidade de vida que se encontram em jogo, o cardiologista de intervenção considera que esta é uma atitude que “começa em casa, com a família”, evidenciando-se em fatores como “as escolhas alimentares ou a forma como se pratica, ou não, atividade desportiva”.
Claro que, em consonância com este papel ativo, acrescenta-se o contributo de outros agentes, nomeada-mente “as escolas, os centros de saúde, os médicos de família e outros profissionais de saúde”, bem como “os jornais, as televisões e o marketing digital”, em tarefas como o apoio a “digerir e incorporar informação” sobre hábitos preventivos.

Posto isto, e ainda que “abaixo dos 35 anos, por norma, a grande maioria da população seja saudável do ponto de vista cardíaco”, Jorge Humberto Guardado acredita que é a partir desta faixa etária que os checkups devem começar a ser devidamente ponderados, “especialmente se as pessoas tiverem uma atividade física intensa ou quiserem praticar desporto”.

Existem, ainda assim, situações em que a visita ao Cardiologista deverá ser efetuada mais cedo, como é o caso dos pacientes que nasceram com defeitos congénitos ou se fazem acompanhar do fator “hereditariedade”, contendo no historial familiar pessoas que faleceram prematuramente na sequência de problemas cardiovasculares.

Sinais de alerta

“Quando os sintomas surgem, isso significa que a maior parte das pessoas já atingiu um ponto de desequilíbrio no organismo em que a doença já se manifesta”, começa por avisar o diretor clínico da UCARDIO. É, como tal, desejável que o paciente possa antecipar a eventual manifestação de um evento agudo e “procure a ajuda de um profissional de saúde” a partir do momento em que se detetam fatores como a “elevada pressão arterial, o excesso de peso, os altos níveis de colesterol, a diabetes e o tabagismo”, cujo controlo se afigura essencial. Por outro lado, e no que diz respeito a sintomas mais graves de mal-estar cardíaco, importa mencionar a angina – descrita como “uma dor torácica no centro do esterno” que se manifesta quando “a pessoa desenvolve um esforço físico como, por exemplo, subir umas escadas”, podendo ser “estendível aos braços, pescoço ou à parte escapular”, o que constitui “um sinal forte de que a pessoa deve procurar ajuda médica para que se possa perceber se está a entrar num contexto de doença coronária – a mais comum e grave das patologias que se desenvolvem na idade adulta”, alerta o especialista.

Nesse sentido, se a dor “for opressiva e fixa, aparecer de forma súbita, durar alguns minutos e for acompanhada de uma sensação de mal-estar ou de sudação”, ela deverá motivar uma ida imediata ao hospital ou, preferencialmente, uma chamada da emergência médica (112), na medida em que “poderá estar a acontecer uma situação aguda”. Caso tal não se verifique, será importante, ainda assim, “agendar uma consulta com o médico de família ou o cardiologista, de modo a que se possa perceber se existe algum problema cardíaco a desenvolver-se”.

Outros sinais que jamais deverão ser ignorados são as “sensações de palpitação rápida”, o “coração muito acelerado” ou a “perda de consciência de forma súbita”. Já no que à dimensão cerebrovascular e neurológica diz respeito, Jorge Humberto Guardado defende ainda que se deverá prestar atenção a indicadores como “a alteração da força muscular nos membros” ou “a incapacidade ou alteração na articulação da voz”. Um último sintoma que merece referência e que motiva um elevado número de consultas é o cansaço que, embora grave quando se manifesta por insuficiência cardíaca, pode ter origem em doenças não cardiovasculares, como é o caso, por exemplo, dos problemas pulmonares e oncológicos ou da anemia.

Ecocardiografia de Sobrecarga

Vivemos, efetivamente, numa época de fácil acesso à informação e em que “os testes cardíacos de primeira linha são inócuos”, pelo que – longe de motivar qualquer dúvida – “fazer uma ecografia cardíaca, um eletrocardiograma ou uma auscultação cardíaca corresponde já a uma situação perfeitamente banal” e segura para o paciente, proporcionando “um diagnóstico interessante do ponto de vista anatómico e estrutural”. Comum à maioria dos exames mais avançados no universo da Cardiologia é a obtenção de valiosa informação sobre o paciente através de uma imagem cardíaca, cuja materialização é assegurada através de diferentes mecanismos, desde a utilização de um campo magnético (ressonância magnética) à emissão de ultrassons (ecografia) ou de radiação (tal como se verifica no caso das TAC e da Medicina Nuclear).

É precisamente neste contexto que o especialista aproveita para questionar a persistência de “uma cultura que foi introduzida nos cardiologistas e que ainda permanece na sua formação”, à qual não serão alheias as diretrizes do Serviço Nacional de Saúde: nada mais, nada menos do que o predomínio da cintigrafia enquanto meio de diagnóstico preferencial (e comparticipado) na deteção de problemas cardiovasculares, nomeadamente da doença coronária. Por outro lado, e em alternativa a um procedimento que expõe o paciente a radiação, Jorge Humberto Guardado salienta as mais-valias da Ecocardiografia de Sobrecarga (Eco Stress), uma tipologia de exame “0% invasivo” que tem sido dinamizada em Portugal, de forma pioneira e corajosa, pelo prof. Carlos Cotrim (Responsável pelos Laboratórios de Ecocardiografia da UCARDIO e do Hospital da Cruz Vermelha, em Lisboa), bem como pelos cardiologistas que o admiram e se reveem no seu percurso.
Fazendo referência a uma técnica “amplamente difundida em países como Espanha, Itália ou Suécia”, o nosso interlocutor é perentório na defesa de um meio de diagnóstico “fácil, simples, reprodutível e capaz de assegurar bons resultados”, que poderia contribuir para uma melhoria da segurança dos doentes da Cardiologia em Portugal, caso pudesse ser devidamente comparticipado e melhor divulgado no seio da classe médica. Adicionalmente, e para além de não exercer qualquer influência sobre o organismo do paciente (com a exceção da Ecocardiografia de Sobrecarga Farmacológica, mediante a qual é administrado um fármaco com a finalidade estimular o coração de um doente que não possa efetuar o Eco de Stress habitual em Esforço), este corresponde a um método cuja utilidade em muito extravasa a deteção da doença coronária.

De facto, a Ecocardiografia de Sobrecarga permite avaliar a existência e gravidade de patologias como a “doença muscular, a doença valvular ou a hipertensão pulmonar”, assumindo-se como um exame “que permite uma avaliação mais fisiológica e holística do ponto de vista cardíaco”, revelando-se também como uma valiosa técnica para monitorizar “a forma como o miocárdio contrai, como se comportam os apare-lhos valvulares, como as pressões pulmonares evoluem e se existe, ou não, isquémia”. A tais argumentos importa, por fim, salientar a extrema “acuidade” de um teste que, em termos de “sensibilidade e especificidade ronda os 85 a 90%, o que é ótimo”, conclui Jorge Humberto Guardado.

Partilha de saberes

Acreditando na necessidade de “comunicar com os pares” a fim de que se possam partilhar experiências entre profissionais, a UCARDIO dinamiza, num regime anual, sessões científicas que têm merecido a crescente aceitação da comunidade médica e da sociedade em geral. Concomitantemente, a III Reunião Clínica da UCARDIO (a realizar-se no icónico Convento do Carmo, Torres Novas, nos dias 16 e 17 de novembro) será subordinada ao tema “O Cálice Sagrado da Cardiologia” – numa referência à já mencionada Ecocardiografia de Sobrecarga.

Mais, no entanto, do que refletir apenas sobre as mais-valias de uma metodologia de diagnóstico de inegável interesse para especialistas e pacientes, o evento pro-mete uma saudável “multidisciplinaridade” que proporcionará espaço a temáticas como a Hipertensão Pulmonar, a Insuficiência Cardíaca, a Morte Súbita, o Cansaço e os Pulmões, a Apneia do Sono ou os Desencontros Sexuais. Assim, e pa-ralelamente ao input de cardiologistas, será dado espaço para o testemunho de especialistas de universos tão díspares quanto a Urologia ou a Psiquiatria. Já a princi-pal novidade da III Reunião Clínica prende-se com a discussão de casos clínicos e a realização de “oficinas de trabalho” destinadas “a internos em formação ou especialistas mais jovens” que pretendam reforçar conhecimentos no amplo universo da Cardiologia
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